segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ruminações no bonde



É interessante como às vezes ocorrem encontros inusitados, e talvez até não sonhados, entre escritores antípodas, que se encontram temporalmente ou geograficamente em posições opostas: enfatizo que isto se dá em relação ao tempo e ao lugar, porque é literariamente se encontram. Um exemplo poderia ser o caso do encontro entre Drumnond e Kafka. Drumond com seu poema E agora José?, e Josef, protagonista de O Processo, que parece se perguntar desde o início do livro: e agora? O que faço? Um encontro desses seria intencional? Teria Drumond lido Kafka?


Pode ser que sim, pois o poema de Drummond foi lançado em 1942, enquanto o Processo veio à luz em 1925. Porém, até hoje não li nada a respeito de o poeta itabirano ter lido Kafka.
Estava pensando, ou melhor, ruminando, sobre a epígrafe que acolhi para este blog e me lembrei de uma palestra que assisti do Silviano Santiago, no qual ele mencionou a confluência do ruminar de Nietzsche e de Machado de Assis. Não lembro exatamente o que ele dizia a respeito dessa confluência, mas essa ideia ficou em mim incubada. Pois que, como hoje temos a sorte de possuir meios de pesquisa extremamente rápidos, corri ao Google e lá digitei a minha pesquisa. Eis que me surgem ávidas as palavras machadianas:


“Ninguém sabe o que sou quando rumino. Posso dizer, sem medo de errar, que rumino muito melhor do que falo. A palestra é uma espécie de peneira, por onde a idéia sai com dificuldade, creio que mais fina, mas muito menos sincera. Ruminando, a idéia fica íntegra e livre. Sou mais profundo ruminando; e mais elevado também.”


Esse é um trecho de uma crônica de Machado de Assis, escrita em 1889. Além de grande romancista, Machado era também um exímio cronista, e sua crônica Meditações no bonde é um ótimo exemplo de sua genialidade também nesse gênero.


Obviamente que há diferenças sobre o ruminar do discípulo de Dionísio e o do Bruxo de Cosme Velho: o primeiro refere-se ao ato de ruminar leituras enquanto o segundo ao ato de ruminar durante a espera dentro de um bonde. Porém, o que há de comum nos dois atos de ruminar é o seu caráter reflexivo, que vai de encontro com a modernização e seu caráter imediatista. Já naquela época, durante o século XIX, estava em curso o processo de industrialização e modernização que viriam a culminar nos avanços tecnológicos do século XX. Nietzsche se coloca em posição contrária ao que ele chama de homem de fim-de-século, que perdeu sua faculdade de ruminar, enquanto Machado de Assis destaca que enquanto pensa, rumina, suas ideias são mais genuínas, mais profundas, sem interferências, ao contrário do que aconteceria se ele se exprimisse por meio da fala. Machado não levou em conta ainda, o filtro do interlocutor, como o ouvinte recebe, “peneira”, aquilo que já sai “peneirado”, conforme as palavras do próprio Machado.


Agora, teria Machado de Assis lido Nietzsche ou vice-versa? Não. Esse caso, é um exemplo feliz de intertextualidade fruto de coincidência. Acho que por não ser intencional, por ser coincidência, nem se trata mesmo de intertextualidade. A crônica de Machado de Assis foi escrita em 21 de Janeiro de 1889 enquanto o prefácio de Nietzsche para o seu A Genelogia da Moral, em XXXX.
Mas o mais interessante e que eu gostaria de deixar em destaque são as... coincidências– o fato de que realmente pode haver mais coisas entre o céu e a terra do que desconfia nossa vã filosofia.
Abaixo, segue a crônica de Machado de Assis na íntegra:


Meditações no bonde

Bons dias!


Vi, não me lembra onde...


É meu costume, quando não tenho que fazer em casa, ir por esse mundo de Cristo, se assim se pode chamar à cidade de São Sebastião, matar o tempo. Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos; um homem, uma tabuleta, qualquer basta a entreter o espírito, e a gente volta para casa "lesta e aguda", como se dizia em não sei que comédia.


Naturalmente, cansadas as pernas, meto-me no primeiro bond, que pode trazer-me à casa ou à Rua Ouvidor, que é onde todos moramos. Se o bond é dos que têm de ir por vias estreitas e atravancadas, torna-se verdadeiro obséquio do céu. De quando em quando, pára diante de uma carroça que deseja ou recolhe fardos. O cocheiro trava o carro, ata as rédeas, desce e acende cigarro; o condutor desce também e vai dar uma vista olhos ao obstáculo. Eu, e todos os veneráveis camelos da Arábia, vulgo passageiros, se estamos dizendo alguma coisa, calamo-nos para ruminar e esperar.


Ninguém sabe o que sou quando rumino. Posso dizer, sem medo de errar, que rumino muito melhor do que falo. A palestra é uma espécie de peneira, por onde a idéia sai com dificuldade, creio que mais fina, mas muito menos sincera. Ruminando, a idéia fica íntegra e livre. Sou mais profundo ruminando; e mais elevado também.


Ainda anteontem, aproveitando uma meia hora de bond parado, lembrou-me não sei como o incêndio do club dos Tenentes do Diabo. Ruminei os episódios todos, entre eles os atos de generosidade da parte das sociedades congêneres; e fiquei triste de não estar naquela primeira juventude, em que a alma se mostra capaz de sacrifícios e de bravura. Todas essas dedicações dão prova de uma solidariedade rara, grata ao coração.


Dois episódios, porém, me deram a medida do que valho, quando rumino. Toda a gente os leu separadamente; o leitor e eu fomos os únicos que os comparamos.


Refiro-me, primeiramente, à ação daqueles sócios de outro club, que correram à casa que ardia, e acudindo-lhes à lembrança os estandartes bradaram que era preciso salvá-los, "Salvemos os estandartes!" e tê-lo-iam feito, a troco da vida de alguns se não fossem impedidos a tempo. Era loucura, mas loucura sublime. Os estandartes são para eles o símbolo da associação, representam a honra comum, as glórias comuns, o espírito que os liga e perpetua.


Esse foi o primeiro episódio. Ao pé dele temos o do empregado que dormia, na sala. Acordou este, cercado de fumo, que o ia sufocando e matando. Ergueu-se, compreendeu tudo, estava perdido, era preciso fugir. Pegou em si e no livro da escrituração e correu pela escada abaixo.


Comparei esses dois atos, a salvação dos estandartes e a salvação do livro, e tereis uma imagem completa do homem. Vós mesmos que me ledes sois outros tantos exemplos de conclusão. Uns dirão que o empregado, salvando o livro, salvou o sólido; o resto é obra de sirgueiro. Outros replicarão que a contabilidade pode ser reconstituída, mas que o estandarte, símbolo da associação também a sua alma; velho e chamuscado, valeria muito mais que o que possa sair agora, novo de uma loja. Compará-lo-ão à bandeira de uma nação, que os soldados perdem no combate, ou trazem esfarrapada e gloriosa.


E todos vós tereis razão; sois as duas metade homem, formais o homem todo... Entretanto, isso que fica dito está longe da sublimidade com que o ruminei. Oh! se todos ficássemos calados! Que imensidade de belas e grandes idéias! Que saraus excelentes! Que sessões de Câmara! Que magníficas viagens de bond!


Mas por onde é que eu tinha principiado? Ah! uma coisa que vi, sem saber onde...


Não me lembra se foi andando de bond; creio que não. Fosse onde fosse, no centro da cidade ou fora dela. Vi, à porta de algumas casas, esqueletos de gente, postos em atitudes joviais. Sabem que o meu único defeito é ser piegas; venero os esqueletos, já porque o são, já porque o não sou. Não sei se me explico. Tiro o chapéu às caveiras gosto da respeitosa liberdade com que Hamlet fala à bobo Yorick. Esqueletos de mostrador, fazendo gaifonas sejam eles de verdade ou não, é coisa que me aflige. Há tanta coisa gaiata por esse mundo, que não vale a pena ir ao outro arrancar de lá os que dormem. Não desconheço que esta minha pieguice ia melhor em verso, com toada de recitativo ao piano; Mas é que eu não faço verso; isto não é verso:


Venha o esqueleto, mais tristonho e grave,
Bem como a ave, que fugiu do além...


Sim; ponhamos o esqueleto nos mostradores, mas sério, tão sério como se fosse o próprio esqueleto do nosso avô, por exemplo... Obrigá-lo a uma polca, habanera, lundu ou cracoviana... Cracoviana? Sim, leitora, amiga, é uma dança muito antiga, que o nosso amigo João, cá de casa, executa maravilhosamente, no intervalo dos seus trabalhos. Quando acaba, diz-nos sempre, parodiando um trecho de Shakespeare: "Há entre a vossa e a minha idade, muitas mais coisas do que sonha a vossa vã filosofia".


Boas noites.

21/jan./ 1889

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Layne Staley


Achei que seria interessante fazer mais um comentário a respeito do último dia 5 de abril, que trouxe à tona vários textos na Internet lembrando os 15 anos de morte de Kurt Cobain. No mesmo dia 5 de abril, só que de 2002, morria, também em Seattle, Layne Thomas Staley, ou simplesmente Layne Staley, vocalista do Alice in Chains, outra grande banda da safra dos anos 90.

No post anterior eu havia dito que, na minha opinião, o grunge foi sepultado junto com Kurt Cobain. Há quem defenda que ele tenha acabado de verdade somente com a morte de Layne Staley. Bom, apesar de gostar do trabalho do Alice in Chains, mantenho minha opinião. Depois do fim do Nirvana, com a morte de Kurt Cobain, o “movimento” grunge iniciou sua declínio. Não quero dizer que se o Kurt não tivesse se suicidado o grunge estaria vivo até hoje, obviamente que um dia ele acabaria. Apenas penso que a morte dele serve como fato mais simbólico desse fim.

Agora, que é intrigante a coincidência de Layne Staley ter morrido no mesmo dia que Kurt, isso é. Ele foi encontrado, com o corpo já em estado avançado de putrefação, no dia 20 de abril, mas a perícia confirmou o dia 5 como o dia de sua morte. Staley morreu de overdose de heroína, após muitos anos de vício e de luta contra ele. Ao contrário do Nirvana que acabou, o Alice in Chains foi retomado pelo guitarrista e amigo de Staley, Jerry Cantrell, com William DuVall no vocal.

domingo, 5 de abril de 2009

15 anos da morte de Kurt Cobain





Hoje, faz quinze anos que Kurt Cobain se suicidou. Indubitavelmente, ele foi não apenas o líder do Nirvana, mas o líder de toda uma revolução musical e cultural, mesmo que sem sua total intenção, afinal ele é o músico mais niilista que já passou pelo mainstream. Não li muita coisa a respeito da vida de Kurt e da trajetória do Nirvana, mas acredito que não havia uma intenção, uma busca pelo sucesso que eles alcançaram. É óbvio que eles buscavam algum reconhecimento, grana, sucesso etc. Mas, acho que eles não queriam exatamente as glórias de estar no topo das paradas, e acabaram sucumbindo às agruras de lá estar.

Bom, mas falando de forma subjetiva, sobre a minha própria experiência de estar no olho do furacão dos anos 90, o que lembro de 15 anos atrás, é que eu estava na rua, fazendo não me lembro exatamente o que, com certeza vadiando, quando um amigo chegou com a notícia. Foi estranho, pois na verdade eu mesmo não era um fã. Gostava do Nirvana, como de muitas outras bandas, já era muito floydiano pra mergulhar na zoeira sonora deles. Porém o que me lembro foi da sensação de viver ainda em uma época em que os heróis da juventude morriam cedo: de overdose, por suicídio etc. Todos mortos por algo bem maior que eles, do qual eles não tinham controle, mas que de certa forma estava dentro deles mesmos.
Como eu era apenas um pré-adolescente, fui perceber o significado daquele momento apenas muito tempo depois. Assim como Kurt Cobain acabou com o rock cheio de frescuras, também sepultou naquele dia o tal do grunge que havia inventado. Muitas bandas surgiram influenciadas pelo Nirvana e duraram anos após o fim da banda de Seattle, mas eu particularmente acredito que o grunge acabou naquele dia 5 de abril de 1994.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

E adeus leitura.

Eu postei o texto abaixo no blog do meu myspace. Para quem quiser dar uma conferida, o endereço é: www.myspace.com/cledes
Ruídos e mais ruídos por toda parte. Não conseguimos mais alcançar o silêncio, o espaço que antes era nosso, já não é mais. A frase-clichê dita por não sei quem, sua liberdade vai até onde começa a minha perdeu o sentido há tempos no vácuo contemporâneo. Essa é a vida em rebanho. – Começo a explicar.
Antigamente, ao caminhar por aí, seja com destino, seja a esmo, eu percebia alguns senhores com suas máquinas motorizadas compartilhando o seu gosto musical, diga-se de passagem, péssimo, com o resto do rebanho. Muito altruísmo da parte deles. O interessante é que a qualidade musical das ondas que reverberavam desses automóveis não acompanhava proporcionalmente a parafernália composta por subufers, cornetas, 6985’s etc, coisa e tal. Resumindo: quanto mais potente o som, mais pobre o tipo de música que se ouvia, e ainda se ouve. – Ok. Estou chovendo no molhado.Acontece que, hoje, parece que esse comportamento extrapolou os limites dos vidros automotivos. O advento tecnológico permitiu a substituição do antigo walkman e seu primo-rico, o discman, pelos mp3, 4, 5... e pelos i-podes, i-phones etc e tal, além dos celulares que permitem que nos deleitemos com música, boa ou ruim, em nossas viagens diárias em busca da caça nossa de cada dia. O problema é que, como disse acima, aquele comportamento de ouvir música em volumes ensurdecedores extrapolou o espaço “privado” dos automóveis. Hoje, sentado em algum banco de algum ônibus, ao tentar ler você pode ser surpreendido pelo martelar lancinante de um subufer, do carro que parou no sinal, ao lado do ônibus. Mas esse carro provavelmente ultrapassará o seu ônibus e irá incomodar outras paragens, menos mal. O problema maior é que na próxima parada, poderá embarcar algum ser com seu radinho, provavelmente tocando algum hit do momento, deprimente, a lhe incomodar durante todo o resto da viagem. E, adeus leitura.